Crescimento do comércio nas regiões e nos blocos econômicos: mudanças na geopolítica e os gargalos da economia mundial

Por Kristof de Bremme, diretor global da AIG Marine; e Robin Niblett, diretor da ONG Chatham House, voltada a temas políticos internacionais. Adaptado pelo editorial do Blog Negócio Seguro AIG.

O comércio global nunca foi estático, mas agora está testemunhando mais mudanças do que nunca, impulsionado por uma infinidade de fatores, desde a política de comércio e novas negociações comerciais até acordos regionais de investimento e tecnologia. Essas influências estão convergindo de forma a incentivar o crescimento do comércio intrarregional, ou seja, dentro de uma mesma região, ao mesmo tempo em que enfatizam a importância dos mercados em desenvolvimento.

Na África, por exemplo, espera-se que novos investimentos e a implementação do Acordo de Livre Comércio Continental Africano reorganizem as rotas comerciais tradicionais do continente. Atualmente, o comércio intrarregional representa apenas 17% das exportações da África, em comparação aos 59% na Ásia e 69% na Europa. Essas ambições focadas na região acontecem ao mesmo tempo em que vemos um cenário de crescente nacionalismo econômico e protecionismo nos EUA e em outros países desenvolvidos.

No centro das discussões sobre desenvolvimento intrarregional está a China’s Belt and Road Initiative (BRI), uma série de projetos altamente ambiciosos, vagamente definidos e muitas vezes contenciosos que visam incrementar as rotas comerciais entre a China e o resto do mundo. Descrita como uma “Rota da Seda do Século XXI”, os dois principais propulsores do projeto são constituídos pelo “cinturão” de corredores terrestres e uma “estrada” de rotas marítimas.

De acordo com as estimativas atuais, o investimento total na BRI poderá ser de até US$ 900 bilhões para vários trilhões na próxima década. Os resultados agregados sugerem que as melhorias na infraestrutura impulsionarão o comércio total entre as economias da BRI em 4,1%, com países como Uzbequistão, Irã, Omã e as Maldivas representando potencialmente um aumento de 9% em suas exportações. Inevitavelmente, juntamente com as muitas oportunidades, há também riscos econômicos e políticos envolvidos, à medida que o comércio intrarregional cresce em importância e volume. A construção de grandes projetos de infraestrutura em países com governos mais “fracos” e possíveis pontos de gargalos que surgem ao longo de rotas de comércio centenárias e mais recentes estão entre as exposições.

Na edição 2018 de seu Relatório Global de Riscos, o Fórum Econômico Mundial alertou que a natureza ambiciosa dos planos e estrutura de financiamento associados aos investimentos no comércio intrarregional poderiam exacerbar, em vez de evitar, a tensão entre os parceiros do corredor econômico. O Fórum observa que os possíveis gatilhos para distúrbios podem resultar de corredores que cruzam territórios disputados. Quaisquer interrupções – causadas por distúrbios políticos, perigos naturais ou mesmo pirataria – poderiam obstruir portos e elevar os preços das commodities.

O uso de contêineres reduziu o custo do transporte de mercadorias em todo o mundo, ao mesmo tempo em que é o pilar do transporte multimodal. No entanto, a natureza homogênea do modo de transporte e, às vezes, a natureza anônima das mercadorias, está dificultando o rastreamento de seus movimentos e a compreensão de quais bens estão se consolidando e se acumulando. A conteinerização e o aumento do valor e do volume de mercadorias transportadas servem para aumentar as perturbações potenciais que podem surgir em certos portos e ao longo de pontos de passagem marítimos e em centros de transporte terrestre.

À medida em que esses riscos crescem e evoluem, é essencial que os segurados encontrem novas formas de medir e gerenciar sua exposição a esses entraves, e decidir se mantêm uma presença nesses pontos ativos ou se desviarão de curso. Há prós e contras associados a ambas as abordagens, e há um argumento de que manter a presença em áreas propensas a congestionamentos é um mal necessário no complexo ambiente comercial atual.

Impacto na segurança alimentar

Uma pesquisa da Chatham House descobriu que a interrupção de apenas um dos oito principais pontos de obstrução marítima do mundo pode ter um grande impacto na segurança alimentar global. Também descobriu que mais da metade de todos os grãos comercializados internacionalmente devem passar por pelo menos um dos 14 principais pontos de gargalo, enquanto mais de 10% dependem de um ponto marítimo para o qual não há outras alternativas viáveis.

Embora tenham sido propostas rotas de navegação alternativas para alguns dos corredores mais importantes do mundo, incluindo o Canal do Panamá, Estreito Bósforo e Canal de Suez, incluindo o Canal da Nicarágua, o Canal Kra (tailandês) e até rotas de navegação polar, esses substitutos potenciais ainda precisam ser realizados. Espera-se que o Djibuti, as Maldivas e o Estreito de Malaca permaneçam potenciais pontos de gargalo ao longo da “Rota da Seda Marítima” no futuro.

Gerenciamento de riscos

As seguradoras e resseguradoras podem ajudar os clientes a entender os riscos associados aos entraves da economia mundial, gerenciar as concentrações de ativos em um único local e os possíveis efeitos em cascata dos incidentes em todo o mundo. Das nuvens de cinzas da Islândia aos tsunamis e inundações na Tailândia, existem inúmeros exemplos de como as catástrofes naturais podem impactar as cadeias de fornecimento globais, tanto direta quanto indiretamente. Através de análise de cenário e teste de estresse de portfólio, as seguradoras e corretores podem ajudar os clientes a identificar potenciais problemas e medidas de contingência.

À medida que o comércio intrarregional cresce em importância, também é fundamental trabalhar com as seguradoras e corretores experientes e que possam desenhar o programa mundial em seguros ideal para o contexto de cada empresa e sua operação internacional. Neste contexto, é importante contar com apólices de seguros locais para garantir que a regulação de um incidente seja adequadamente realizada de acordo com a regulamentação de cada país e que o segurado possa contar com o melhor serviço em caso perdas. Além disso, através de um Programa Mundial, as empresas podem contar com expertise e recursos locais para auxiliar em seu processo de expansão internacional. Suporte em questões regulatórias e melhores práticas de gestão de sinistros são benefícios adicionais.

Mercosul

O artigo assinado por Kristof de Bremme e Robin Niblett remete ao fortalecimento e alerta sobre os riscos em rotas comerciais estratégicas dentro de economias intrarregionais. Mais perto de nós, o Mercosul, que integra o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai é responsável mais de 75% do PIB de toda a América do Sul e figuraria na 5ª posição como mais rico do mundo se fosse considerado um país. A estruturação e força do bloco nos últimos anos levaram ao recente anúncio do acordo com a União Europeia, que prevê o livre comércio entre os dois blocos. O pacto é um marco histórico no relacionamento entre os dois blocos, que representam, juntos, cerca de 25% do PIB mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas. Ele cobre temas tanto tarifários quanto de natureza regulatória, como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual. De acordo com estimativas do Ministério da Economia do Brasil, o acordo entre Mercosul e UE representará um incremento do PIB brasileiro de 87,5 bilhões de dólares em 15 anos, podendo chegar a 125 bilhões de dólares, considerando a redução das barreiras não-tarifárias e o aumento esperado na produtividade do País.

O texto deve obter ainda a autorização dos estados-membros e do Parlamento Europeu, que podem exigir mudanças. Nesse contexto e durante as negociações governamentais em cada país, uma coisa é certa. Muitas discussões estarão em pauta a respeito da ampliação ou redução de riscos para as empresas, reguladores e a sociedade de ambos os blocos.

Para ler a história original em Inglês, clique aqui.

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